sexta-feira, 24 de julho de 2015

Pós-Transplante

          Depois de ter passado quase 50 dias na internação do transplante, tinha chegado o dia da alta. Ansiedade era pouco. Tinha chegado a hora de dar oi para o sol, para as nuvens, para as árvores, dar oi para tudo.
          Mamãe começou a arrumar nossas poucas coisas (usávamos quase tudo do hospital). Preparam todas minhas medicações, orientações e tudo mais. E vieram nos informar que eu tinha pegado o tal de "G", como chamamos, ou DECH, que nada mais é do que a doença enxerto contra o hospedeiro. Que acaba sendo algo bom para quem transplanta medula, porque há uma grande chance de o transplantado não ter recaídas. Apesar de ter que receber medicação imediata para não haver complicações. Mas mamãe estava preocupada com o fato de não sabermos para onde iríamos. Até uma das enfermeiras nos dizer que eles arrumavam tudo antes da nossa saída, para irmos para um dos quartos de isolamento na Casinha. Até aí tudo bem. Depois de um tempo, quase na saída, virei para mamãe e perguntei: "Mãe, o papai vem buscar a gente?" Pronto! Foi o que bastou pra chorarmos. Perguntei isso a ela, porque era papai que ia nos buscar, na maioria das vezes, depois que eu saía de uma internação. A saudade estava demais. Bem... Terminamos de nos arrumar e começamos a nos despedir do pessoal do TMO. Eram enfermeiros e técnicos me desejando boa sorte, saúde, sucesso... Enfim! Um infinito de coisas boas. Mas lembro que a Gi Baldi não foi se despedir de mim. Depois acabei sabendo que ela não ia aguentar e ia acabar chorando, por isso não foi falar com a gente. Gi, está me devendo... kkkkk.
          E assim fomos embora. Nos ajudaram a descer com nossas coisas e ligamos para uma das meninas nos ajudar. Pois como eu usava a cadeira de rodas, mamãe não conseguiria me levar junto com nossas malas.
          Foi muito bom chegar do lado de fora e sentir o vento no rosto, o sol, respirar ar puro... É uma sensação indescritível. 
          Chegamos na Casinha e a ansiedade de sair do TMO foi tão grande, que acabamos esquecendo de alguns papéis. Mamãe teve que voltar e ajeitar tudo para poder ficarmos.
          Tivemos um resto de dia tranquilo, apesar da febre que me dava de vez em quando. Mas como já estava no antibiótico, ficávamos apenas observando para não aumentar muito.
          Como desci da internção com o "G", tivemos que voltar todos os dias ao hospital, no Ambulatório do TMO, para eu tomar a medicação. Tomaria por 14 dias, mas o "G" começou a desaparecer com 7 dias. Antes dos 14 dias, parei de tomar.
          Com o passar dos dias, foi ficando cada vez mais difícil de comer. Quando chegava a comida no portão da Casinha, já começava a sentir enjoo. Era impressionante. Não aguentava sentir o cheiro da comida. Foi uma das fases mais torturantes para mim. Em todo o tratamento, nunca tinha deixado de comer. E isso realmente me apavorava. Eu forçava para comer. Era preciso tapar os olhos, nariz e mamãe me dar comida na boca. Parece até brincadeira e coisa de menina mimada. Mas não! Era sério. Se eu olhasse a comida, não conseguia comer. Foi aí que começaram as descobertas para que eu pudesse comer: comer, vomitar e em seguida tentar comer de novo. Só assim conseguia manter algo no estômago.
          Como estava no meu limite, nada mais queria entrar e não podia cozinhar na Casinha, mamãe conversou com nossa família sobre o que achavam de irmos para uma pensão ou pousada. Claro que ia ter mais gasto, mas, no momento, o lado financeiro não era prioridade. Todos concordaram. E assim fomos falar com as Assistentes Sociais da Casinha sobre nossa saída e nos apoiaram. Assim, mamãe começou a procurar um lugar pra ficarmos. Aproveitava o momento que eu dormia para ir, porque dependia dela pra tudo.
          Depois de muito procurar, mamãe encontrou uma pousada que poderíamos ficar, pois nas demais seria impossível para cadeirantes. Algumas das meninas da Casinha (acompanhantes de pacientes) nos ajudaram com a mudança.
          E assim foram se passando os dias. Quando mamãe cozinhava, tinha que fechar a porta da cozinha, ligava o ventilador (o que não podia) para o ar circular e usava duas máscaras para não sentir cheiro nenhum. Comia, vomitava e comia. Mamãe chegou a ser dura uma vez comigo, dizendo para eu parar com isso, que era psicológico. Depois que fiz meu "ritual", ela me disse que tinha dito aquilo para ver se eu não ia vomitar. Não fez por maldade. Pena não ter adiantado. Isso estava nos deixando tristes e abatidas. Mais ainda a mamãe, porque tinha começado a sentir fortes dores na barriga. E ela não me deixava falar para os médicos e nem eu tinha reação para nada. Estava emagrecendo muito rápido, fraca... Enquanto ela continuava com dores e tendo que me carregar para todo lado.
   Até que conhecemos Marlene. Uma transplantada. E ela ficou na mesma pousada que a gente. Como ela estava bem, o marido teria que deixar ela um pouco para resolver algumas coisas na cidade deles e perguntou se podíamos fazer companhia para ela. A partir daí nos animamos mais.
          Foi um tempo muito bom que passamos depois disso. Meus exames estavam cada vez melhores, logo voltaríamos para casa, apesar de eu ainda estar ruim pra comer e mamãe com as dores. Até mamãe começou a emagrecer demais. Mas estava tudo dando certo. Pelo menos comigo.

          Até mais! Beijinho!